O município de Porto Velho
completa hoje 103 anos. No entanto, a data de 02 de outubro de 1914 marca
apenas a criação oficial do município, que foi fundado, na realidade, em 1907
pela Madeira Mamoré Railway Company (M.M.R.C.), empresa responsável pela
terceira tentativa de construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré,
pertencente ao magnata norte-americano Percival Farcquar. A origem está
associada à vila de Santo Antônio do Rio Madeira, pertencente à província do Mato
Grosso, situada 7 quilômetros do centro da cidade de Porto Velho, que foi,
durante todo o primeiro ciclo da borracha (1879-1912), o porto por onde era
escoada a produção de borracha vinda da Bolívia e que se destinava aos mercados
dos Estados Unidos e da Europa.
A história da pequena vila
construída pela M.M.R.C para abrigar seus funcionários, e que daria origem á
cidade de Porto Velho, é contada de forma magistral pelo professor da
Universidade Federal de Rondônia (UNIR) Dante Ribeiro da Fonseca em Uma cidade à far-west: tradição e
modernidade na origem de Porto Velho, escrito com base nos relatos de
viajantes que passaram pela vila, entre eles o sanitarista Osvaldo Cruz. O
artigo está no livro Estudos da História
da Amazônia (Volume I) e abrange o período de 1907 a 1914, ou seja, da
construção da vila pela Companhia até a criação oficial do município. Um texto
tão bem escrito que o leitor se sente na Porto Velho da época.
Segundo professor Dante, quando a
M.M.R.C. chega na Vila de Santo Antônio encontra um cenário pouco convidativo
para quem pensava em construir um ambiente de acordo com a “legítima tradição
segregacionista anglo-saxônica”, um asséptico estabelecimento industrial. A
vila de Santo Antônio era um pequeno aglomerado de pessoas (não mais do que 300
pessoas, a maioria indígenas bolivianos que vivia da carga e descarga dos
navios que atracavam no pequeno porto da vila), sem esgoto, água canalizada ou
iluminação, com casas de alvenaria ou taperas de bambu cobertas com palha, além
dos estabelecimentos comerciais voltados ao lazer dos viajantes: mulher, jogo e
bebida.
Alegando insalubridade da vila e
problemas com o porto (pode colocar na conta também a presença de bares e
prostíbulos), a M.M.R.C. decide iniciar o empreendimento em outro ponto, 7
quilômetros rio abaixo, onde hoje é a praça da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
Para isso, construiu uma vila para seus funcionários, com abastecimento de
água, luz e esgoto sanitário. A pequena vila era dotada até de hospital, um
“luxo” que os moradores da Vila de Santo Antônio nem sonhavam. Mas era imposto
aos moradores um rígido controle social, com a proibição de bebidas alcoólicas
e a prostituição e um corpo policial próprio controlava a entrada de
embarcações no porto. Só entrava na vila quem tinha autorização da companhia. Além
do controle sobre o porto, foi erguida uma cerca na Avenida Divisória (onde
hoje é a Avenida Presidente Dutra) para evitar a entrada de quem não era
funcionário da M.M.R.C.
Os moradores da pequena Vila de
Santo Antônio do Rio Madeira, vendo o povoado cheio de gringos (e dólares)
surgir a apenas 7 quilômetros de distância, não hesitaram em erigir suas casas
e seus comércios do outro lado da cerca,
dando origem à duas Porto Velho: uma organizada e planejada, com casas
teladas, espaçosas e arejadas; outra insalubre e desorganizada, com casas de
alvenaria ou adobe cobertas com zinco ou palha. Essa era a realidade de Porto
velho no dia 02 de outubro de 1914, quando foi criado o município através da
Lei nº 757 sancionada pelo governador do Amazonas Jonatas Pedrosa. Em dezembro
do mesmo ano chega à Porto Velho seu primeiro superintendente (prefeito), o
major do exército Fernando Guapindaia de Souza, que que irá administrar uma
cidade dividida ao meio por uma cerca. Essa divisão permaneceu até 1931, com a
nacionalização da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e a nomeação, pelo presidente
Getúlio Vargas, do primeiro diretor brasileiro da companhia, o tenente Aluízio
Ferreira.
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