Publicado pela Companhia das
Letras, Diários da Presidência
(1995-1996), do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, é o primeiro de
uma série de quatro volumes bianuais que cobrem os oito anos em que ocupou a
Presidência da república. A intenção da editora é concluir a publicação de
todos os volumes em meados de 2017. Nesse primeiro volume, resultado de 90
horas de gravação em 44 fitas cassetes transcritas por Danielle Ardaillon,
curadora do acervo da Fundação Instituto Fernando Henrique Cardoso, FHC relata
as hesitações do cotidiano, as intrigas ao seu redor, tece críticas a aliados e
adversários, como também à imprensa.
Algumas revelações surpreendem
não por serem alguma novidade, mas por ser revelada por um ex-presidente ainda
em vida. Como o fato de dizer que a luta política era desprovida de princípios
de tal foram que ele vivia cercado de “chantagens por todos os lados”. Um
exemplo é a referência feita, em agosto de 1995, ao hoje ex-deputado e
condenado no mensalão Valdemar Costa Neto, na época líder do Partido Liberal,
aliado do governo. “Ora, o líder desse partido, Valdemar Costa Neto, só vai lá
(no Palácio do Planalto) para pedir nomeações para posições onde ele possa ter
vantagens, e vantagens alegadamente pecuniárias”, diz FHC na página 224. Na Página 296, FHC fala que parte dos pedidos
de Costa Neto não foi atendida “por falta de gente competente e que seja
honesta”. FHC se refere aos insistentes pedidos do então deputado como “essa
coisa desagradável”.
O ex-presidente também não poupa
aliados como o seu antecessor, Itamar Franco, afirmando em fevereiro de 1995
que seus amigos o tratam “como se ele fosse uma criança mimada e birrenta, o
que ele às vezes é”. Sobre José Serra, seu ministro, numa visita ao Chile, em
março de 1995, que Serra não quis ir, FHC diz: “Acho que o Serra não se sente
bem vendo tantas homenagens que não seja a ele” (P. 85). A relação do governo
com parte da imprensa não era das melhores. Sobre a denúncia da revista Veja de
que seu filho, Paulo Henrique, teria pego carona no avião presidencial, FHC
reagiu em março de 1995: “Trata-se de um falso moralismo da Veja, que vive
pedindo canais e mais canais de televisão ao governo, de alta frequência, e, ao
mesmo tempo, espicaça sem parar para jogar todo mundo na vala comum” (p. 87).
Há também referências nada
lisonjeiras à personagens que hoje estão no centro político do país, como o
deputado Eduardo Cunha, hoje presidente da Câmara, mas em março de 1996 um
obscuro protegido de deputados ligados à Igreja Universal. Esses deputados
procuraram o Presidente da República para tentar nomeá-lo diretor comercial da
Petrobrás. A reação de FHC: “Imagina! O Eduardo Cunha foi presidente da Telerj,
nós o tiramos de lá no tempo de Itamar porque ele tinha trapalhadas (...).
(...) há, sim, problemas com esse nome. Enfim, não cedemos à nomeação” (p.
507). Sobre Cássio Cunha Lima, hoje líder do PSDB no Senado, em abril de 1996:
“ O Cássio esteve aqui numa festa para o Collor, na semana passada, o que já é
o cúmulo. É uma coisa que mostra a volatilidade dos sentimentos desse rapaz,
que agora se diz a favor da reeleição” (p. 536).
"Começo a sentir o travo amargo
do poder, no seu aspecto mais podre de toma lá dá cá: se eu não der algum ministério,
o PPB não vota; se eu não puser o Luiz Carlos Santos, o PMDB não cimenta - e
muitas vezes fazemos isso e eles não entregam o que prometeram", diz o
ex-presidente, em registro de abril de 1996.
Como se vê, passados vinte anos, as práticas políticas continuam as
mesmas. Se essa frase fosse dita hoje pela presidente Dilma, seria atualíssima.
Aguardemos os próximos volumes.
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