Se há algo para o qual o ser humano se sente arrastado com cruel
fruição, este algo é terminar de humilhar alguém depois de já ter começado. (
A galinha degolada)
O que não faltou na vida pessoal
do escritor uruguaio Horácio Quiroga foram tragédias. Os suicídios do pai, do
padrasto, da primeira esposa, do amigo e ex-presidente Baltazar Brum e das duas
filhas (estas, depois da morte do escritor); a morte dos dois irmãos; o
assassinato (por acidente) do melhor amigo e, por fim, a descoberta do câncer
que o levou ao suicídio em 1937. Claro que essa sucessão de tragédias não
poderia deixar de influenciar sua obra.
Em A galinha degolada e outros contos, na verdade uma seleção de
apenas seis narrativas breves e de alguns artigos publicados numa revista
uruguaia nos anos 20, destaque para o conto que dá título ao livro, com
personagens que lembram suas tragédias pessoais. No conto o casal Mazzinni
–Ferraz vê seu sonho de construir uma família destruído quando seus quatro
filhos nascem com anomalias que os tornam débeis mentais. Um conto que hoje
seria considerado politicamente incorreto.
Antes dele, temos o conto O travesseiro de penas, em que uma
mulher definha vítima de uma doença misteriosa. Depois de sua morte, descobrem
o repulsivo assassino ao revirarem o travesseiro. Em O solitário, a personagem arrivista casa-se com um joalheiro sem a
menor vocação para a riqueza. Para ela, conviver com as magnificas joias que o
marido cria para as clientes passa a ser uma tortura.
Em O espectro, um jovem ator morre antes do filme de estreia e todas
as vezes que a viúva e seu melhor amigo (que casou com a viúva) vão ao cinema
percebem que o ator olha diretamente para eles e cada vez mais perto da tela. Em
O mel silvestre o protagonista sai da
cidade grande para se aventurar na selva e se depara com um batalhão de
formigas carnívoras. Finalmente, em A
câmara escura um fotógrafo retrata um velho morto e todas as vezes que
encara a câmara escura para fazer a revelação, a horrenda face do morto emerge
no papel fotográfico.
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