“Jamais haveria um jeito de eu viver confortavelmente entre as pessoas.
Talvez eu me tornasse um monge. Fingiria acreditar em Deus e viveria num
cubículo, tocando órgão e eternamente embriagado de vinho”.
Bukowski é aquele sujeito que
consegue transformar o bizarro, o degradante, o marginal em arte. E ele faz
isso em Misto-quente, seu quarto
romance, lançado originalmente em 1982 e, até agora, seu melhor romance. Nele,
Bukowski é o “escritor maldito” que conhecemos, que com sua escrita simples e
direta é capaz de dizer tudo o que quer sem meias palavras. Considerado o
romance de formação do autor, muitos dizem que quem não leu Misto-quente não leu Bukowski.
“Com a bebida, a vida era maravilhosa, um homem era perfeito, nada mais
poderia feri-lo”.
Henry Chinaski é o alterego do
autor (o romance é praticamente uma autobiografia, com Bukowski na sua fase de
juventude) que vive sua infância num ambiente viciado: o pai alcoólatra e
violento, batia cotidianamente no filho; a mãe, apesar de carinhosa com o
filho, é omissa diante da violência do marido por temê-lo. É durante suas reflexões sobre esse período
que Chinaski consegue manifestar o mais fidedignamente seus sentimentos com
relação à vida, a sua infelicidade embaixo da casca de durão, como essa quando
frequentava o jardim de infância:
“Foi no jardim de infância que conheci as primeiras crianças da minha
idade. Elas pareciam muitas estranhas, sorriam e conversavam e pareciam
felizes. Não gostei delas.”
A acidez das palavras e das
ideias de Bukowski, expressa através de Chinaski, transparece de forma límpida
quando ele toca em temas sensíveis, como no trecho abaixo;
“Eu havia rompido com a religião alguns anos atrás. Se houvesse alguma
verdade por trás dela, era uma verdade que idiotizava as pessoas ou atraía as
mais idiotas. E se por acaso a religião não contivesse em si verdade nenhuma,
os tolos que nela acreditavam seriam então duplamente idiotas.”
Chinaski (ou Bukowski) era um
pessimista com relação à humanidade (alias, com relação a tudo), tanto que
quase não se relacionava com colegas de escola. Seu único amigo era um
marginalizado como ele:
“Joe não ia vir. Não valia a pena confiar em nenhum outro ser humano. O
que quer que fosse preciso para estabelecer essa confiança, não estava presente
na humanidade.”
Considero Bukowski melhor
romancista do que contista, mas em Misto-quente
ele supera até mesmo o romancista Bukowski de outros livros.
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