sexta-feira, 29 de março de 2013
quarta-feira, 27 de março de 2013
O sol é para todos – Harper Lee
Tem livros que provoca no leitor
a sensação de que, enquanto ler ouve uma música, ou um tipo de música. Para
provocar essa sensação, o livro tem que ser muito bom. No caso de O sol é para todos, da
norte-americana Harper Lee, a sensação que tive foi de que ouvia um jazz
enquanto o lia. O sol é para todos é
o único livro de Harper Lee. E nem precisava ter escrito mais nada! Harper Lee
não escreveu apenas um livro, escreveu um panfleto contra o racismo, uma elegia
à igualdade, uma ode à honestidade e à democracia.
A narradora é uma menina, Scout,
filha do advogado Aticcus e irmã de Jem. A família tem uma empregada chamada
Calpurnia e vive na cidade de Maycomb, no sul dos estados Unidos nos anos 30. Tom
Robinson, um rapaz negro, é injustamente acusado de estupro e cabe a Aticcus
defende-lo. A represália dos brancos da cidade à família do advogado não tarda.
E é aí que reside a beleza do texto de Lee: a incompreensão da pequena Scout,
que não entende como pessoas tão boas no dia-a-dia se tornam tão más somente
por que seu pai quer salvar um negro da cadeira elétrica.
O sol é para todos não deixa de ser um livro antirracista, mas a
mensagem principal é a aprendizagem das crianças a partir da conduta dos mais
velhos. Apesar de um tema tão pesado (o racismo), o texto não perde sua leveza
e a descrição do ritmo de vida na pequena Maycomb é fascinante. Um livro para
ser lido por advogados. Um livro para ser lido por humanistas. Um livro para
ser lido por todos...
segunda-feira, 25 de março de 2013
Cinema nacional: A casa de Alice
Não sou muito fã de cinema, mas
se tiver que assistir que seja, não necessariamente, mas de preferência,
nacional. Não por chauvinismo, mas por acreditar que o filme nacional está mais
próximo da nossa realidade, sem espetáculos de tiros nem perseguições mirabolantes.
No sábado a noite assisti A casa de Alice
(2007), do carioca Chico
Teixeira, seu primeiro longa de ficção, já que é mais conhecido como
documentarista. O filme é um retorno do diretor ao ambiente familiar, tema já
abordado por ele no documentário Carrego
comigo, sobre irmãos gêmeos.
O núcleo do filme é o ambiente
familiar de Alice (Carla Ribas), composto por ela, seu marido, Lindomar (Zé
Carlos Machado), seus três filhos e sua mãe (Berta Zemel). Num ambiente de
classe média baixa, com orçamento apertado e afeto quase escasso, todos os
personagens guardam seus segredos que aos poucos vão se revelando. No caso de
Lindomar, meninas bem jovens. No caso de Alice, um antigo amor, Nilson (Luciano
Quirino), que agora aparece casado com uma cliente de suas clientes.
Os filhos do casal, todos
dependentes economicamente, também escondem seus segredos. O mais velho, Lucas
(Vinícius Zinn), é militar, machista, mas ganha uma renda extra tendo pequenos
casos com homossexuais. Edinho (Ricardo Vilaça) comete pequenos furtos na
carteira da avó. Júnior (Felipe Massuia), o mais novo e mimado, está começando
sua vida sexual. Uma crônica da classe média baixa, que não morre de fome, mas
também não tem direito a sonhos.
sexta-feira, 22 de março de 2013
Philip Roth – 80 anos
Na última terça, Philip Roth, o
maior escritor americano vivo, completou 80 anos. Para comemorar a data, foi
lançado o documentário Philip Roth:
Unmasked, dirigido por Lívia Manera e Willian Karel e fruto de 15 horas de
entrevistas, feitas entre 2010 e 2012, com amigos de infância, celebridades e
escritores como Jonathan Franzen e Nicole Krauss. É de se estranhar que o
escritor, que sempre teve um comportamento reservado e evitou os holofotes,
tenha concordado com a produção do documentário. Mas, segundo ele, é melhor
fazer agora enquanto está vivo, pois assim pode exercer certo controle sobre
sua história.
O escritor vivo que mais prêmios
literários ganhou, mas ignorado pelo Nobel, Roth escreveu mais de 30 livros, a
maioria com temática relacionada ao judaísmo. Mas o seu mérito está em usar
essa temática para se aprofundar em temas universais. É o caso de Fantasma sai de cena, onde conta a
história de um velho escritor judeu que retoma o desejo sexual depois de anos
de isolamento, quando fugiu da cidade após os atentados de 11 de setembro de
2001. Ou em Complexo de Portnoy, quando
Roth usa um personagem judeu para falar dos tormentos a que qualquer homem
moderno está exposto, como as pesadas expectativas sociais e morais, passando
pela questão sexual.
“Eu não adoro me
ver descrito como um escritor judeu-americano. Eu não escrevo em judaico. Eu
escrevo em americano”, afirma Roth no documentário. Sou fã confesso de
Roth e lamentei profundamente quando ele anunciou sua aposentadoria no ano
passado. Não li todos os seus livros, mas tenho essa intenção e já os coloco (os
lidos e os ainda por ler) na estante dos clássicos. No aniversário de Roth,
quem está de parabéns é o leitor que descobriu a sua genialidade.
quarta-feira, 20 de março de 2013
O Palácio de Inverno – John Boyne
O Irlandês John Boyne é o autor
dos excelentes O menino do pijama
listrado e O garoto no convés. Em
O Palácio de Inverno ele não faz por
menos. O livro é magnífico! Não é apenas um livro com uma boa história que
mistura ficção e realidade. É um livro que emociona. São duas histórias, com
dois tempos que são conduzidos magistralmente pelo autor ao encontro um do
outro.
O livro são as reminiscências de
Géorgui Danielovich Jachmenev, um senhor russo de 81 anos que vive na Inglaterra
e que acompanha os últimos instantes de vida de Zoia, sua esposa e seu grande e
único amor. Ao mesmo tempo em que conta os anos recentes ao lado de Zoia,
Géorgui relembra os anos em que vivia na aldeia miserável de Cáchin e como
chegou à corte russa do Czar Nicolau II por mero acaso.
O curioso é a forma como Boyne
conduz a trama. Enquanto as lembranças do protagonista caminham em direção ao
futuro, os dias de Inglaterra sofrem um retrocesso de modo que o Géorgui jovem
se funde com o velho e os segredos são revelados. Um livro que engana. Quando o
leitor pensa que ele está falando de eventos históricos, na realidade Boyne
está falando do tema principal de livro: o amor. Um livro pra ler e
reler...
segunda-feira, 18 de março de 2013
sexta-feira, 15 de março de 2013
Entrevista: Alan Pauls
Nascido em 1959, na capital
da Argentina, Alan Pauls foi professor de Teoria Literária na Universidade de
Buenos Aires (UBA) e fundador da revista ‘Lecturas Críticas’. É também
roteirista e crítico de cinema. No Brasil, já foram publicados seus livros
‘Wasabi’, História do cabelo’, ‘História do pranto’ e ‘O Passado’, este
adaptado para o cinema por Hector Babenco. Nesta entrevista, Pauls fala sobre
os escritores com quem dialoga, sobre os problemas da adaptação e sobre a
presença constante da pornografia em suas narrativas.
- Li em algum lugar que a relação que uma pessoa tem com o mar é a mesma
que ela tem com a vida. Como um “devoto da praia”, você concorda?
ALAN PAULS: Se for mesmo assim, a minha relação com a vida é
pouco vital, bastante preguiçosa e letárgica, cem por cento oblomoviana,
citando o grande herói do romance de Goncharov, ídolo de todos os vagabundos do
mundo. Não gosto muito de nadar, nem de desafiar o mar, nem de praticar
esportes náuticos. Tenho muita dificuldade em ajustar a máscara de mergulho e
fico péssimo com pés de pato. Gosto apenas de entrar no mar e me deixar
maltratar pelas ondas, quando há ondas, ou ficar boiando por alguns minutos
como uma morsa adormecida, quando não há ondas, depois sair e retomar meu
livrinho no trecho apaixonante interrompido pelo calor.
- Em ‘A Vida Descalço’, como em outros livros seus, o narrador evoca sua
infância. O que torna a infância tão sedutora? Quais são os laços entre a
meninice e a vocação literária?
PAULS: Não é a infância que me seduz, e sim a relação
que temos com ela. Como a idealizamos, corrigimos, exageramos, deformamos. Como
confiamos nela, como ela nos enternece, como a detestamos. Como identificamos
nela a causa última de nossa miséria atual, como a fazemos responsável por
tudo, como a usamos para nos escondermos ou nos justificarmos, nos eximirmos de
culpa. Sempre me intrigou muito esse fetichismo desmedido da infância. Eu me
pergunto se isso não tem a ver com o estranho e perverso prazer de olharmos o
mundo na condição de vítimas.
- Você já disse que a praia não combina muito com a tradição
intelectual, mas nesse livro a praia aparece como um lugar de introspecção, de
descoberta da vocação, da identidade, dos desejos… Não é uma contradição?
PAULS: Não. A praia pode ser um cenário de imaginação,
mas é completamente refratária à imagem clássica do intelectual, a sua figura,
seus rituais de trabalho, suas ferramentas, inclusive sua palidez proverbial,
como a dos anarquistas russos. Podemos imaginar Kerouac na praia, mas não
Sartre com seu cachimbo, nem Althusser com os três volumes de “O Capital”
debaixo do braço.
- “A praia é como uma grande tela, na qual se pode projetar todo tipo de
imagens e histórias audiovisuais”. Fale sobre a relação entre o mar e o cinema,
entre as imagens e as palavras na sua literatura.
PAULS: Gosto muito da forma como Godard filma o mar. Em
muitos de seus filmes há planos de ondas que se quebram, ou da água brilhando
como um metal. Aparecem de improviso, cortando outras imagens e ações, como
flashes de uma ordem eminentemente musical, gráfica, abstrata. De resto, na
minha literatura a imagem não tem o menor papel. Quando escrevo não vejo.
Melhor ainda: escrever é não ver.
- Fale sobre as fotografias que ilustram o livro.
PAULS: São fotos minhas, de infância. Mas não sou eu, ou não mais eu, em
todo caso. Meu pai as tirou, o último fundamentalista da praia e do bronzeador
solar, e da mania de tirar fotos sob o sol do meio-dia que tive a honra de
conhecer. Gosto que não sejam boas fotos, que o foco vacile, que nada seja
demasiado nítido. Gosto de seu “conceitualismo”: um sujeito infantil e, á sua
volta, o deserto. Esse grau zero da situação é a praia.
- A leitura de Julio Cortázar
marcou suas férias de infância. Qual foi a importância desse escritor na sua
vida e na literatura argentina? Com que outros escritores argentinos você mais
dialoga?
PAULS: Como muitos, eu comecei a escrever lendo Cortázar – e a escrever
com gerúndios, como ele Como quase todos, deixei de ler seus livros assim que
me dei conta de que queria escrever seriamente, isto é, assim que deixei de ser
um adolescente, alguém que confundia escrever com ser especial. Mais que um
escritor, Cortázar acabou sendo uma espécie de promotor literário, como um tio
vagamente juvenilista que alenta e estimula com ênfase, exagerando um pouco,
ali onde outros, mais geniais mas menos cool, se mantêm em silêncio, ou
esperam, ou murmuram coisas incompreensíveis. Borges, naturalmente, é o gênio
absoluto, aquele que pensou tudo – inclusive seus inimigos, inclusive toda
aquela literatura que não tem nada a ver com a sua. Roberto Arlt é um monstro,
um escritor único, um original total. Mas hoje, se dialogo com alguém, dialogo
com um morto: Manuel Puig, o Borges queer.
- O fato de ter sido professor de
Teoria Literária ajuda ou atrapalha o seu processo criativo? A carreira
acadêmica pode aniquilar uma vocação literária?
PAULS: Eu não recomendaria entrar para a academia a ninguém que quisesse
escrever, mas detesto a ideia de que refletir sobre a literatura – que é o que
se supõe que alguém vai fazer quando estuda letras – impede de escrever. É uma
ideia antiga, vulgar, covarde. Nem sequer é uma ideia, é o reflexo condicionado
dos indigentes que confundem escrever com “contar histórias”.
- Você escreveu o roteiro para um
filme sobre a passagem de Marcel Duchamp por Buenos Aires em 1918. Fale sobre
esse projeto.
PAULS: É um documentário conjectural, que especula sobre os nove
misteriosos meses que Duchamp passou em Buenos Aires, quando em Buenos Aires só
era frequentada por prófugos, anarquistas, por aqueles que queriam desaparecer
da face da Terra. Ele veio com sua namorada e com uma marchande americana que
estava de olho nele. Enquanto ele esteve em Buenos Aires, manifestações
de operários ganhavam as ruas e eram massacradas pela polícia, mas ele nunca
disse uma palavra sobre isso. Gostou muito da manteiga argentina. Yvonne, a
namorada, só ficou poucos meses, farta de ser confundida com uma prostituta
pelos homens, quando caminhava sozinha pelas ruas. O episódio é citado pela
notável memoir que escreveu a marchande sobre a condição da mulher nesse remoto
rincão do planeta. Sozinho, Duchamp se dedicou às únicas atividades que podiam
rivalizar com a arte: respirar e jogar xadrez.
- Sendo também um roteirista, que questões te atraem numa adaptação? Que
relação você estabelece entre a literatura e o cinema? O que achou da adaptação
de seu livro “O Passado” dirigida por Hector Babenco?
PAULS: O cinema e a literatura só me dizem algo quando
soltam faíscas, quando se traem, se contradizem ou se esquecem mutuamente. Eles
me aborrecem quando se respeitam, são fiéis, se obedecem. Eu teria gostado se a
versão de Babenco fosse mais pessoal, que se desentendesse mais do romance, que
não estivesse tão atenta ao argumento do livro, porque definitivamente, o
argumento era o que o livro tinha de menos interessante. Mesmo assim, há algo
no tom farsesco-aterrorizante no filme de que gosto muito. Achei o filme
bastante “polanskiano”. O problema era que eu não podia dizer a Babenco que seu
filme era muito polanskiano. Até que um dia eu lhe disse que gostava do tom do
filme, e ele me disse: “Sim, pensei muito em ‘O bebê de Rosemary’”.
- Há sempre um componente pornográfico nas cenas eróticas de seus
livros, como no episódio da garrafa em ‘O Passado’. O que pensa da pornografia
na literatura?
PAULS: No combate entre o erotismo e a pornografia, meu
coração sempre fica do lado da pornografia. O sexo é sempre pornografia. Não
pelas porcarias que fazemos quando o praticamos, mas porque sempre o praticamos
com alguém que está nos olhando. Os escritores que fizeram algo interessante
com a sexualidade – de Sade a Henry Miller, de Petrônio a Georges Bataille –
foram sempre sensíveis ao registro seco e brutal do pornô. Os véus, os claro-escuros,
toda essa elegância rançosa do erotismo nunca tiveram nada a ver com a arte. É
pura publicidade.
- Em ‘A Vida descalço’ existe uma tensão permanente entre o vivido e o
inventado. O registro autobiográfico, o uso da primeira pessoa, joga com as convenções
do romance confessional e da literatura de formação, diluindo as fronteiras
entre os gêneros… Por quê?
PAULS: Porque uma autobiografia não diz a verdade, não
confessa nem recorda nada. Ela fabrica um mito. E todo mito nasce dessa
vacilação entre os gêneros.
* Extraído do Blog Máquina de escrever, do jornalista Luciano Trigo
quarta-feira, 13 de março de 2013
Complexo de Portnoy – Philip Roth
Lançado em 1969, Complexo de Portnoy é o quarto livro de
Philip Roth e tem duas características marcantes: o linguajar pesado e um
refinado senso de humor. Dos livros de Roth que já li esse é, de longe, o que
tem o personagem mais visceral, desconcertante até. Alexander Portnoy é um bem
sucedido advogado de 33 anos, funcionário importante da prefeitura de Nova York
que conta em suas sessões de psicanálise as memórias que o incomodam. E não são
poucas...
Portnoy vive tentando se desligar
dos pais super protetores e para isso assume uma postura que os desagrada, como
não casar, viajar sem avisá-los, não ligar coma frequência que eles gostariam. Desde
criança, sempre podado pelos pais, buscava sua liberdade através da masturbação
que vinha acompanhada da culpa. E quanto mais se sentia culpado, mais se
masturbava. Na vida adulta, se envolve com várias mulheres. As que eram
intelectualmente dotadas, não o satisfaziam na cama. As que o satisfaziam na
cama, ele não conseguia compartilhar intelectualmente nenhuma experiência significativa.
Em busca de uma solução para os
seus problemas, viaja para Israel, a terra natal do seu povo. Lá conhece uma
mulher que ele imagina que pode ser a esposa judia tão sonhada pelos pais. Mas se
descobre impotente. Na terra dos seus ancestrais, a ereção se torna impossível.
Complexo de Portnoy jogou Roth na
categoria dos clássicos. Se o livro choca quem o ler hoje, imagine
quando foi lançado em 1969. Imperdível!
segunda-feira, 11 de março de 2013
sexta-feira, 8 de março de 2013
Entrevista: John Banville
John Banville nasceu na Irlanda
em 1945 e é considerado pela crítica como um estilista da língua inglesa. Seu primeiro
livro foi publicado em 1971 e começou e escrever romances policiais com o
pseudônimo Benjamim Black em 2006. O curioso é que com nas obras em que usa o
seu nome verdadeiro é um obcecado pela frase perfeita, mas não vende tanto
assim. Como Black, escreve sem nenhuma ambição e lidera a lista dos mais
vendidos. Confirmado na Flip 2013, concedeu um entrevista por e-mail ao blog A biblioteca da Raquel, da jornalista
Raquel Cozer, que você lê abaixo:
***
Em vez de centrar a história no ponto de vista
de Quirke, o protagonista, “O Cisne de Prata” alterna capítulos na voz
dele com as de outras personagens, incluindo a vítima. O resultado é que
os leitores acabam sabendo muito mais do que o personagem que
investiga a história. Por que optou por esse formato?
Acho romances policiais fascinantes do ponto de vista técnico. Nesse livro, foi interessante alargar a perspectiva e trazer, embora obliquamente, as vozes, ou ao menos as sensibilidades, de outros personagens. E com isso fazer Quirke desconhecer detalhes que outros personagens, e os leitores, sabem. Mas, enfim, Quirke geralmente progride por meio da ignorância dos fatos. O que admiro nele como protagonista é que ele não é um superdetetive. Se você quer o oposto de Sherlock Holmes ou Hercule Poirot, esse é Quirke. Ele é um pouco estúpido, como o resto de nós-humanos, em outras palavras.
Acho romances policiais fascinantes do ponto de vista técnico. Nesse livro, foi interessante alargar a perspectiva e trazer, embora obliquamente, as vozes, ou ao menos as sensibilidades, de outros personagens. E com isso fazer Quirke desconhecer detalhes que outros personagens, e os leitores, sabem. Mas, enfim, Quirke geralmente progride por meio da ignorância dos fatos. O que admiro nele como protagonista é que ele não é um superdetetive. Se você quer o oposto de Sherlock Holmes ou Hercule Poirot, esse é Quirke. Ele é um pouco estúpido, como o resto de nós-humanos, em outras palavras.
O próprio Quirke é diferente de um protagonista
que poderíamos esperar em um policial. Ele é um patologista que, em “O Cisne de
Prata”, mente para a Justiça no único momento em que poderia ajudar na
investigação. Como pensou esse personagem?
Quirke é movido pela curiosidade. Talvez eu esteja
caindo num freudianismo barato, mas acho que o fato de ele mesmo não ter um
passado do qual se lembre completamente o compele a mergulhar nas vidas de
outras pessoas, a querer descobrir segredos alheios. Quando ele olha para trás,
para anos anteriores de sua vida, há apenas um branco, e isso é algo que o
atormenta. Então, quando encontra um “branco” que é um crime não resolvido, não
resiste a investigar.
Assim como em “O Cisne de Prata”, que retoma o
protagonista de “O Pecado de Christine”, em ”Luz Antiga”, que também sairá
neste ano no Brasil [pela Globo, em junho], você recupera um protagonista de
romances anteriores. Esse é um procedimento comum em romances policiais, mas
nem tanto fora da ficção de gênero. Por que voltar a personagens interessa ao
sr.?
De fato não sei dizer por que retornei à história de Alex Cleave e de sua trágica filha Cass. Depois que leu “Eclipse” [inédito no Brasil], em que esses personagens aparecem, meu amigo Rodrigo Fresan [escritor argentino] me implorou para escrever um “livro de Cass”. “Luz Antiga” não é esse livro, mas revisita Alex e sua mulher, Lydia, dez anos depois da morte da filha. Devo ter achado que havia algo a resolver com Alex, Cass e o mistério da morte de Cass que continuava atormentando seus pais. É claro, Alex desconhece a conexão de Cass com Axel Vander, o crítico literário que Alex, que é ator, está prestes a interpretar num filme. Isso adicionou algum frisson para mim, como também, eu espero, para leitores familiares com “Eclipse”.
De fato não sei dizer por que retornei à história de Alex Cleave e de sua trágica filha Cass. Depois que leu “Eclipse” [inédito no Brasil], em que esses personagens aparecem, meu amigo Rodrigo Fresan [escritor argentino] me implorou para escrever um “livro de Cass”. “Luz Antiga” não é esse livro, mas revisita Alex e sua mulher, Lydia, dez anos depois da morte da filha. Devo ter achado que havia algo a resolver com Alex, Cass e o mistério da morte de Cass que continuava atormentando seus pais. É claro, Alex desconhece a conexão de Cass com Axel Vander, o crítico literário que Alex, que é ator, está prestes a interpretar num filme. Isso adicionou algum frisson para mim, como também, eu espero, para leitores familiares com “Eclipse”.
Quirke é atormentando pelo passado e pelo senso
de perda, assim como Alex em ”Luz Antiga”. O quão diferente é
escrever sobre esse tema como Banville e como Black?
Bom, Quirke é atormentado de uma
maneira diferente. O passado dele é um lugar terrível e escuro, uma
espécie de Inferno anterior à morte. Para Alex, o passado é um
mundo iluminado, que parece mais vívido para ele do que o mundo presente
em que ele vive. Sempre me fascinou a percepção de que o passado
sempre nos parece mais intenso que o presente. Por que
deveria ser assim? Afinal, o passado foi presente um dia, e tão normal e chato
quanto opresente presente. A resposta, eu suspeito, é
que como temos de viver o presente, não conseguimos vê-lo com clareza
e, consequentemente, não o valorizamos. Apenas quando ele vira
passado vemos como era extraordinário. Essa é uma tragédia de nossas
vidas, que nós –a maior parte de nós– não conseguimos valorizar o que temos até
que isso se perca.
Como Georges Simenon influenciou sua
“conversão” em Black?
Nunca tinha lido Simenon [romancista belga, autor da série do inspetor Maigret] até um amigo, o filósofo inglês John Gray, me encorajar a ler o que Simenon definia como seus “romances psicológicos”. Quando li fiquei deslumbrado. Esses livros, entre os quais estão “Dirty Snow”, “Monsieur Monde Vanishes” e “The Strangers in the House”, para ficar apenas em três, são para mim tão bons quanto qualquer coisa escrita no século 20, superiores aos trabalhos de Sartre ou Camus, por exemplo: Simenon é o verdadeiro romancista existencialista. Ocorreu a mim que deveria tentar escrever algo similar, usando um estilo simples e direto, um vocabulário restrito, e nenhum dos ornamentos “literários” que Banville usaria. Então Benjamin Black nasceu.
Nunca tinha lido Simenon [romancista belga, autor da série do inspetor Maigret] até um amigo, o filósofo inglês John Gray, me encorajar a ler o que Simenon definia como seus “romances psicológicos”. Quando li fiquei deslumbrado. Esses livros, entre os quais estão “Dirty Snow”, “Monsieur Monde Vanishes” e “The Strangers in the House”, para ficar apenas em três, são para mim tão bons quanto qualquer coisa escrita no século 20, superiores aos trabalhos de Sartre ou Camus, por exemplo: Simenon é o verdadeiro romancista existencialista. Ocorreu a mim que deveria tentar escrever algo similar, usando um estilo simples e direto, um vocabulário restrito, e nenhum dos ornamentos “literários” que Banville usaria. Então Benjamin Black nasceu.
O verbete dedicado ao sr. na Wikipedia informa
que o sr. chama romances policiais de “ficção barata”, mas
com o aviso de que falta a fonte dessa informação. Essa é mesmo uma
opinião sua?
Wikipedia! Sempre informando tudo ligeiramente
errado. Escrevi em algum lugar, como ironia, que quando me tornei
Benjamin Black descobri em mim uma capacidade para a “ficção barata”. Não era
para ser levado a sério. É claro que existe muita ficção policial barata por
aí, mas até aí também há muita ficção literária barata. O trabalho de Raymond
Chandler, Dashiell Hammett, Richard Stark, James M. Cain –se isso é barato,
então me mostre o que é caro.
O sr. costuma dizer que escrever como
Banville é muito mais trabalhoso que escrever como Black. Incomoda saber
que Black interessa mais aos leitores?
Acho que eu me incomodaria se Banville vendesse mais do que Black. Black trabalha num gênero popular, e, por consequência, suas vendas são melhores. É simples assim.
Acho que eu me incomodaria se Banville vendesse mais do que Black. Black trabalha num gênero popular, e, por consequência, suas vendas são melhores. É simples assim.
O sr. tem publicado mais como Black do que
como Banville –o placar desde 2006 está em sete a dois. É uma
experiência mais satisfatória a de escrever sem se preocupar tanto
com a estrutura?
Talvez não mais satisfatório, mas diferente. Eu
gosto do trabalho que os livros de Benjamin Black envolvem e tenho
orgulho desses livros, como um artesão teria orgulho de um trabalho bem
feito. Black não exige tanto de si mesmo como Banville, o que é uma outra
maneira de dizer que Black não é um artista nem tem essa ambição.
Como é ver seu trabalho adaptado para a televisão
[as histórias de Quirke foram adaptados no Reino Unido?
Sou muito interessado em cinema e TV. Escrevi alguns
roteiros, sempre gostei disso. E o primeiro livro de Benjamin Black, “O Pecado
de Christine”, começou como um roteiro de TV. Uns dez anos atrás foi convidado
a escrever uma minissérie de TV, ambientada nos anos 50. Escrevi três roteiros
de três horas de duração cada um. Quando ficou claro que eles não seriam
filmados, tive a ideia de transformá-los em romance. E foi o que eu
fiz.
O sr. já esteve no Brasil?
Sim, passei uma semana ou duas em São Paulo alguns
anos atrás e visitei Paraty muito rapidamente no caminho para casa. Estou
ansioso por ficar mais tempo desta vez.
quarta-feira, 6 de março de 2013
Fantasma sai de cena – Philip Roth
Em Fantasma sai de cena, Philip Roth retorna a Diário de uma ilusão. O jovem e promissor escritor Nathan Zuckerman
agora é um velho escritor de 71 anos, alquebrado e doente. Depois de 11 anos
isolado nas montanhas Zuckerman à Nova York. Era para ser uma viagem rápida
para tratar de uma incontinência urinária, consequência de uma cirurgia de
próstata, mas Zuckerman cruza com três pessoas que o tiram da proteção das
montanhas, para onde se retirou após sofrer ameaças de morte, e o colocam
diante de sensações que ele julgava que não voltaria a sentir.
A primeira dessas pessoas é a
jovem escritora Jamie que, junto com o marido, planeja trocar de casa com
Zuckerman por temer a ameaça terrorista pós 11 de setembro. Jamie desperta em
Zuckerman os desejos do corpo que ele imaginava a muito adormecido. A segunda
pessoa é Amy Bellette, que ele vira apenas uma vez, aos 23 anos, na casa do seu
mentor e amante de amy, Lonoff. Longe de ser aquela moça linda e inteligente do
passado, Amy está velha e doente. A velhice é um tema recorrente nessa obra,
onde Zuckerman, uma escritor que não conhece celular, internet e computador, e
Amy, que não consegue se desprender do seu passado ao lado do seu amante,
destilam suas amarguras.
A terceira pessoa é Kliman, o
jovem e ambicioso escritor que quer aproveitar a admiração de Zuckerman por
Lonoff para usar suas memórias e escrever uma biografia sobre o escritor morte
trinta anos antes e esquecido pelo mercado editorial. Kliman encarna, aos olhos
envelhecidos de Zuckerman, o que a juventude tem de mais detestável. Roth usa a
eleição de Bush, em 2004, como pano de funda para estabelecer o paradoxo entre
os desejos do corpo e as limitações impostas pela velhice. Um romance
memorável...
segunda-feira, 4 de março de 2013
O mundo é gay
Um acordo de lideranças
estabeleceu que a presidência da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados ficará com o Partido Social Cristão (PSC). Até aí nada de mais. Apesar
do líder do partido na Câmara afirmar que existem quatro nomes para assumir o
cargo, o deputado Marco Feliciano (SP) disse que o escolhido era ele. Aí
começam os problemas. O problema da indicação do deputado-pastor para esse
colegiado é que é ali que o movimento LGBT tem trabalhado para alcançar seus
direitos civis. O deputado Feliciano é pastor evangélico e propenso a declarações
polêmicas e inoportunas, uma delas de que a Comissão dos Direito Humanos da
Câmara seria um espaço de defesa dos “privilégios” de gays, lésbicas e
transexuais.
E olhe que essa declaração é a
menos polêmica, mesmo por que o deputado tem o direito de achar que acesso à
dignidade humana é privilégio. Escandaloso é quando ele se refere aos
africanos, sobre quem afirmou que “descendem de um ancestral amaldiçoado por
Noé. Isso é fato.” Por isso o continente é devastado pela fome, por pestes e
doenças, segundo o deputado-pastor-filósofo. O problema da África, para ele, é
espiritual, “se vence com oração”. Continuando em suas divagações, Feliciano
diz que herdamos o gene africano, por isso alguns lugares no Brasil “são tão
pesados”.
O deputado se refere ao
sentimento entre duas pessoas do mesmo sexo como “podridão dos sentimentos” que
levam “ao ódio, ao crime e a rejeição.” Apesar disso, não creio que a sua
indicação para a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara vá
interferir de alguma forma no avanço das conquistas do movimento LGBT. Essas
conquistas tem caráter inexorável e irreversível e é uma tendência do mundo minimamente
civilizado, onde não estão incluídos o mundo islâmico e a mentalidade religiosa
de alguns indivíduos. Entre outras conquistas, desde o dia 1º de março, pessoas
do mesmo podem casar nos cartórios do estado de São Paulo sem precisar recorrer
a justiça.
Comparo essa luta do movimento
LGBT à Lei do Afonso Arinos, que instituiu o divórcio no Brasil, em 1977.
Setores conservadores da sociedade vaticinaram que era o fim da família
brasileira. Quase quatro décadas depois, a família brasileira não acabou apenas
mudou de cara. O mesmo argumento é usado hoje para impedir o casamento entre
pessoas do mesmo sexo. Com a legalização da união homoafetiva, a família
brasileira não acabará, apenas mais uma vez mudará de cara. Tanto a Lei do
Divórcio como a legalização da união homoafetiva, não criaram o fato, apenas
legalizaram um fato pré-existente. Tanto o divórcio nos anos 70 como os casais
gays são uma realidade, a lei apenas trará dignidade aos interessados. Dignidade
que setores religiosos querem negar!
Nesse momento, com os avanços das
conquistas LGBT, o mundo é gay.