Os meus pertences estão espalhados pelo apartamento. Ainda não parei para pensar por onde vou começar a arrumação. Se para desarrumar demorei uma eternidade, para arrumar vou levar duas eternidades. Lembro-me que duas semanas antes da mudança, já tinha começado a encaixotar livros, CD’s, documentos e aqueles pequenos objetos que imaginamos que não ocupa espaço, mas nessas horas toma todo o nosso tempo. O antigo apartamento era pequeno, mas a forma como os cômodos eram distribuídos tornava-o aconchegante. Ainda possuía como atração extra: um inferninho (dizer “puteiro” seria deselegante) que o capeta não freqüentava por medo de ruborizar. Lá conheci a Lídia. É interessante como a mudança geográfica promove transformações no meu comportamento. Antes de ir morar no apartamento próximo do inferninho, namorei a Sarah, que era quase uma figura bíblica em termos de pudor. Achava-a perfeita. A mudança para as proximidades do inferninho mudou tudo (não por culpa do inferninho). A Lídia, funcionária mais graduada da casa dos prazeres, passou a ser o modelo de mulher perfeita.
Mudar de endereço faz com que eu mude de comportamento, de estilo de vida. Isso me intriga. Lembro-me que em uma das minhas moradias adotei o estilo misantropo. Saía de casa somente o necessário. Os amigos estranhavam. Eu, que na sexta a noite convocava todos para uma sinuquinha e depois uma passada nos melhores ambientes da cidade, de repente me enclausurei. Mas foi uma fase boa. Estar só é como caminhar em direção de si próprio, faz bem como terapia para o autoconhecimento. O problema é que até hoje não me conheço. Nesse período de recolhimento li todos os livros do Borges, conheci as poesias de Florbela e Neruda e cheguei à conclusão que poesia é muito chato. Tentei aprender a cozinhar e concluí que restaurante é uma das coisas mais úteis do mundo moderno. Assisti a todas as novelas, mas somente do meio para o fim. Início de novela é sem graça. Assisti a todas as partidas de futebol, inclusive o campeonato francês, que é tão chato quanto o idioma, tem sempre o mesmo campeão.
Agora novo endereço, novo apartamento. Que máscara colocarei? O que irá influenciar os meus dias? Tenho algumas pistas. Além da nova moradia, claro. Andei observando o material humano das redondezas e muito me chamou à atenção uma vizinha evangélica de ancas tanajúricas. Observo nela um falso pudor. A lascívia parece espernear dentro dela, lutando parar sair aos gritos. O figurino saias longas, cabelos compridos, voz e gestos contidos não combinam com um risinho de canto de boca que fala bem mais do que palavras. Sinto que aquela Bíblia, com capa de couro Preta, fechada a zíper, com a inscrição “Bíblia sagrada” em letras douradas, pesa muito mais do que um livro qualquer de capa de couro preta. O medo do inferno tem falado mais alto do que o desejo de ser o próprio capeta. Chego à conclusão que os meus próximos meses serão na Igreja...
Mudar de endereço faz com que eu mude de comportamento, de estilo de vida. Isso me intriga. Lembro-me que em uma das minhas moradias adotei o estilo misantropo. Saía de casa somente o necessário. Os amigos estranhavam. Eu, que na sexta a noite convocava todos para uma sinuquinha e depois uma passada nos melhores ambientes da cidade, de repente me enclausurei. Mas foi uma fase boa. Estar só é como caminhar em direção de si próprio, faz bem como terapia para o autoconhecimento. O problema é que até hoje não me conheço. Nesse período de recolhimento li todos os livros do Borges, conheci as poesias de Florbela e Neruda e cheguei à conclusão que poesia é muito chato. Tentei aprender a cozinhar e concluí que restaurante é uma das coisas mais úteis do mundo moderno. Assisti a todas as novelas, mas somente do meio para o fim. Início de novela é sem graça. Assisti a todas as partidas de futebol, inclusive o campeonato francês, que é tão chato quanto o idioma, tem sempre o mesmo campeão.
Agora novo endereço, novo apartamento. Que máscara colocarei? O que irá influenciar os meus dias? Tenho algumas pistas. Além da nova moradia, claro. Andei observando o material humano das redondezas e muito me chamou à atenção uma vizinha evangélica de ancas tanajúricas. Observo nela um falso pudor. A lascívia parece espernear dentro dela, lutando parar sair aos gritos. O figurino saias longas, cabelos compridos, voz e gestos contidos não combinam com um risinho de canto de boca que fala bem mais do que palavras. Sinto que aquela Bíblia, com capa de couro Preta, fechada a zíper, com a inscrição “Bíblia sagrada” em letras douradas, pesa muito mais do que um livro qualquer de capa de couro preta. O medo do inferno tem falado mais alto do que o desejo de ser o próprio capeta. Chego à conclusão que os meus próximos meses serão na Igreja...